VISÃO GLOBAL DO PROCEDIMENTO FALIMENTAR
O procedimento falimentar desenvolve-se em três fases, a saber:
- a) fase pré-falencial: é a que medeia entre a petição inicial e a sentença de falência. Nessa fase, ainda não há falência, mas apenas expectativa de o devedor vir a falir, justificando-se assim a sua disciplina na lei de falência, outrossim, a possibilidade de ajuizamento das medidas cautelares eventualmente necessárias.
- b) fase falencial: é a que medeia entre a sentença que decreta falência e a sentença que a encerra. É, pois, a única fase em que realmente há falência, iniciando-se a ação falencial propriamente. Nessa fase, desenvolve-se uma sindicância comercial, com o objetivo do conhecimento da situação patrimonial do devedor, apurando-se o ativo e realizando-se o passivo, efetuando-se o pagamento dos credores. Trata-se de uma fase cognitiva, de conhecimento da situação patrimonial, desenvolvendo-se também a liquidação, venda dos bens. Além disso, em inquérito policial, e não mais no processo falimentar, ao contrário da legislação anterior, investiga-se a ocorrência de crime falimentar.
- c) fase pós-falencial: é a que se desenvolve após o trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência. Destacam-se dois institutos: a extinção das obrigações e a reabilitação do falido. Nessa fase já não há mais falência.
CONCEITO DE FALÊNCIA
A falência é um engenho jurídico complexo, podendo ser conceituada sob três aspectos: processual, material e econômico.
Sob o prisma processual, a falência é um processo judicial de execução coletiva, em grupo, modernamente chamado de concurso de credores, em face de um devedor empresário ou sociedade empresária. É sabido que o patrimônio do devedor responde por suas dívidas. Assim, enquanto o devedor for solvente, a execução sofrida por ele deve ser individual, isto é, movida por um determinado credor. Tornando-se, porém, insolvente, a execução individual revela-se injusta, porquanto os credores mais pacientes, que se abstiveram de mover eventual ação, bem como os credores com créditos ainda não vencidos, são preteridos porque o credor que primeiro move a execução se beneficia com exclusividade do restante do patrimônio do insolvente. É a igualdade dos credores, que justifica a execução coletiva, na qual rateia-se proporcionalmente o patrimônio do devedor em favor de todos os credores da mesma categoria. Assim, na falência, ao invés de um único credor receber tudo, todos recebem um pouco, de forma proporcional ao seu crédito.
Sob o aspecto material, a falência, inaugurada a partir da sentença que a decreta, consiste num conjunto de normas jurídicas especiais, que afasta a incidência das normas comuns aos demais devedores. De fato, a falência cria uma situação jurídica nova, conferindo ao empresário ou a sociedade empresária um novo status, o estado de falido, justificando-se uma disciplina especial. A prescrição, por exemplo, quando o falido figura como devedor, é suspensa com a decretação da falência. Outro exemplo marcante diz respeito aos juros, legais ou contratuais, que deixam de fluir após a sentença de falência, suspendendo-se, enquanto que para os devedores não falidos a fluência dos juros se estende até a data do pagamento.
Finalmente, sob o aspecto econômico, revela-se a falência como sendo um saneamento da atividade econômica. Se bem que as desvantagens da falência são evidentes: o devedor é privado dos seus bens, os credores talvez não recebam a integralidade de seus créditos, os empregados, em regra, terão os contratos de trabalho rescindidos e o Fisco, por sua vez, perderá um contribuinte, sofrendo queda na arrecadação dos impostos. Por isso, a falência é uma medida excepcional, decretável só quando for inevitável. Para afastá-la, a lei criou o instituto da recuperação judicial da empresa, que a lei anterior chamava de concordata.
OBJETIVOS DA FALÊNCIA
De acordo com o art. 75 da Lei 11.101/2005, a “falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a:
I – preservar e a otimizar a utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa;
II – permitir a liquidação célere das empresas inviáveis, com vistas à realocação eficiente de recursos na economia; e
III – fomentar o empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica”.
A falência é mecanismo de preservação de benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial, por meio da liquidação imediata do devedor e da rápida realocação útil de ativos na economia (§2º do citado art.75).
FORMAS DE EXECUÇÃO COLETIVA
A execução coletiva, isto é, o concurso de credores, apresenta duas espécies:
- a) insolvência civil (artigo 748 do CPC/1973): ocorre em relação aos devedores não empresários. Estes não podem falir. O citado art. 743 do CPC anterior ainda continua em vigor, por força do art. 1.052 do CPC/2015.
- b) falência (Lei 11.101/2005): ocorre em relação aos devedores empresários individuais ou sociedades empresárias. Estes nunca se sujeitam à insolvência civil.
Em ambas as hipóteses, a execução coletiva caracteriza-se pela pluralidade de credores, cuja satisfação dos créditos recai sobre todos os bens do devedor.
Dentre as diferenças entre os dois institutos acima, destacam-se a recuperação judicial ou extrajudicial do falido, o conceito de insolvência e a extinção das obrigações.
Com efeito a recuperação judicial ou extrajudicial homologada pelo juiz beneficia apenas os devedores empresários, sendo, pois, um instituto especifico da lei de falências. Consiste na remissão parcial das dívidas ou na prorrogação do prazo de pagamento. Em contrapartida, os devedores não empresários, sujeitos à insolvência civil, não gozam deste benefício, mas desfrutam de um instituto similar, a denominada “concordata branquinha”, prevista no artigo 783 do CPC/1973, consistente num acordo entre o devedor e todos os credores, homologado pelo juiz, que possibilita a prorrogação do prazo de pagamento ou então representa o perdão parcial das dívidas.
Na execução civil, exige-se insolvência econômica, que é o fato de o patrimônio passivo exceder ao ativo. Na falência, a insolvência é jurídica, caracterizando-se pela prática de um dos fatos previstos na lei, ainda que seja solvente sob o ponto de vista econômico.
A extinção das obrigações do falido, por sua vez, nos termos do art. 158, II, da Lei 11.101/2005, com a modificação trazida pela Lei 14.112/2020, opera-se quando este reúne patrimônio suficiente para o pagamento de mais de 25% do passivo quirografário, além do adimplemento dos credores preferenciais. Feito este pagamento, as obrigações do falido são extintas e nenhum credor poderá cobrar a diferença na hipótese de o falido, futuramente, vir a aumentar o seu patrimônio. Não é que o falido tenha que pagar apenas 25% dos credores quirografários. Se der para pagar quantia maior, paga-se. Mas se o patrimônio apurado comportar apenas o pagamento de mais de 25% dos quirografários, além dos credores preferenciais, extinguem-se as suas obrigações. Se, ao revés, o patrimônio apurado serviu para pagar quantia inferior a 25% dos credores quirografários, o falido continuará obrigado a pagar a totalidade dos créditos, que poderão ser pleiteados pelos credores na hipótese de ele no futuro sofrer aumento patrimonial, ganhando, por exemplo, na loteria.
Em contrapartida, na insolvência civil não há esse benefício de extinção das obrigações pelo pagamento de mais de 25% dos credores quirografários; só se extinguem as obrigações se houver pagamento total, ressalvando-se, porém, que após o decurso do prazo de cinco anos, a contar do encerramento do processo de insolvência civil, haverá a prescrição, nos termos do artigo 778 do CPC/1973.
Outro benefício previsto exclusivamente no processo de falência, consiste no fato de as obrigações do falido se extinguirem após o decurso do prazo de 3 (três) anos, a contar da sentença que decreta a falência (art. 158, V, incluído pela Lei 14.112/2020).
PRESSUPOSTOS DA FALÊNCIA
São três os pressupostos da falência, a saber:
- a) devedor empresário individual ou sociedade empresária;
- b) insolvência, no sentido jurídico, e não necessariamente econômico. A insolvência jurídica, conforme veremos, consiste na impontualidade ou execução forçada ou prática de ato de falência.
- c) sentença de falência.
Alguns autores incluem um quarto requisito, a pluralidade de credores. De fato, paira controvérsia sobre a possibilidade de falência quando houver um só credor. Waldemar Ferreira não admite, pois a falência é uma execução coletiva, tendo, pois, por pressuposto a pluralidade de credores; se houver um só credor caberá tão somente a execução individual. Rubens Requião, por sua vez, admite a falência, porquanto a pluralidade de credores não é pressuposto da falência, mesmo porque os credores podem ir surgindo após a declaração da falência (credores retardatários). Ademais, a falência é necessária para a investigação de crimes falimentares e propositura de ações revocatórias. Este último posicionamento, que também é defendido por Carvalho de Mendonça, é o mais correto, porque a falência é um estado que resulta da impossibilidade de pagar e não do número de credores.
DEVEDORES SUJEITOS À FALÊNCIA
A falência atinge apenas os empresários individuais ou sociedades empresárias, ainda que irregulares, isto é, sem o registro na junta comercial.
As sociedades simples e as sociedades cooperativas, outrossim, a sociedade que tenha por objeto atividade rural não empresarial, não podem falir.
Cumpre ainda esclarecer que, na conceituação do empresário, vigora o critério real e não o meramente formal. De acordo com o critério real, empresário é o que explora uma atividade econômica de forma empresarial, ainda que destituído de registro na junta comercial. Pelo critério formal, para ser empresário, basta o registro na junta comercial. Ora, se não obstante o registro, a atividade exercida for não empresarial, o devedor não poderá falir, conforme bem salienta Rubens Requião.
A sociedade que cessou há mais de dois anos, a contar do registro na Junta Comercial, não pode falir, salvo prova do exercício empresarial posterior ao ato registrário. Quanto à sociedade anônima, não pode falir após a liquidação e partilha de seu ativo (art.96, §1º, da LF).
O espólio do devedor empresário, até um ano após a morte, também pode falir.
Quanto aos proibidos de exercer a atividade empresarial, podem falir, pois os atos empresariais por eles praticados são válidos. Ademais, ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.
A sociedade com objeto misto, isto é, empresarial e civil, segundo Rubens Requião, sujeita-se também à falência, desde que a atividade empresarial seja ponderável; outros, ao revés, só admitem a falência quando a atividade empresarial for a preponderante.
Quanto às cooperativas, qualquer que seja o seu objeto, de acordo com o art. 4º da Lei 5.764/71, são sociedades de natureza civil, ou seja, sociedades simples, não se sujeitando à falência e, por consequência, não podem também obter recuperação judicial.
DEVEDORES QUE NUNCA PODEM FALIR
As hipóteses de exclusão absoluta da falência, isto é, empresários e sociedades empresárias que nunca podem falir, são as seguintes:
- a) empresas públicas (artigo 2º, I, da LF);
- b) sociedades de economia mista (artigo 2º, I, da LF);
- c) câmaras ou prestadores de serviços de compensação e de liquidação financeira (artigo 194 da LF);
- d) entidades fechadas de previdência complementar. São aquelas cujo planos previdenciários só são acessíveis a determinados empregados ou servidores públicos. Submetem-se a uma liquidação extrajudicial (art. 47 da LC109/2001).
Os credores de uma empresa pública ou sociedade de economia mista podem pleitear o respectivo crédito, quando houver insolvência, junto à pessoa jurídica de direito público controladora (União, Estado Membro, Município ou Distrito Federal). Saliente-se ainda que, segundo Silvio Marques, aludidas entidades submetem-se à execução coletiva do Código de Processo Civil, isto é, à insolvência civil.
Referentemente às Câmaras ou prestadores de serviços de compensação e liquidação financeira, suas obrigações são apuradas e cumpridas de acordo com os seus respectivos regulamentos, aprovados pelo Banco Central.
DEVEDORES QUE SÓ PODEM FALIR EM CERTAS HIPÓTESES
Alguns devedores são parcialmente excluídos da falência, a saber:
- a) companhias seguradoras (Decreto-lei 73/66, artigo 26). Adotam a forma de S/A. Submetem-se à liquidação compulsória ou extrajudicial, que é um procedimento especial de execução concursal, promovido por uma autarquia federal, isto é, pela SUSEP (Superintendência de Seguros Privados). Apenas na hipótese de frustração é que é cabível o pedido de falência, formulado pelo liquidante nomeado pela SUSEP, vedando-se ao credor a elaboração de requerimento de falência. Frustra-se a liquidação extrajudicial quando o patrimônio ativo arrecadado não for suficiente para o pagamento da metade dos credores quirografários. Na mesma situação encontram-se as entidades abertas da Previdência Complementar, cujos planos são acessíveis a qualquer pessoa, bem como as sociedades de operação de planos de saúde submetem-se a uma liquidação extrajudicial promovida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e no caso de frustração dessa liquidação, o liquidante nomeado pela ANS poderá requerer a falência LC 109/01, art. 73 e Lei 9.656/1998.
- b) Instituições Financeiras (Lei 6024/74). Enquanto a Instituição Financeira estiver no exercício normal de suas atividades, a sua falência pode ser requerida normalmente, por qualquer credor. Se, porém, houver sido decretada a sua intervenção ou liquidação extrajudicial, pelo Banco Central, a falência só poderá ser requerida a pedido do interventor, no caso de intervenção extrajudicial, ou a pedido do liquidante, no caso de liquidação extrajudicial, exigindo-se ainda a autorização do Banco Central. Apenas na hipótese de frustração é que é cabível o pedido de falência, formulado pelo interventor ou liquidante nomeado pela BACEN, vedando-se ao credor a elaboração de requerimento de falência. Frustra-se a liquidação extrajudicial quando o patrimônio ativo arrecadado não for suficiente para o pagamento da metade dos credores quirografários. Outra hipótese de cabimento do pedido de falência é a existência de crimes falimentares praticados pelos administradores da instituição financeira.
Portanto, uma vez decretada a intervenção ou liquidação extrajudicial, o credor perde a legitimidade para requerer a falência da Instituição Financeira. Em situação idêntica encontra-se também as sociedades empresárias arrendadoras (leasing), conforme resolução do Banco Central nº 2309/96. Igualmente, as empresas administradoras de consórcios de bens duráveis, fundos, mútuos e outros atos similares (lei 5768/71).
INSOLVÊNCIA
Sob o prisma econômico, insolvência é o patrimônio passivo superior ao ativo. Este conceito, porém, não interessa ao direito falimentar, mas sim à insolvência civil do devedor não empresário. De fato, o devedor não empresário, que seja economicamente solvente, escapa da execução coletiva, conforme artigo 756, II, do CPC/1973, em vigor por força do art. 1.052 do CPC/2015.
No direito falimentar, vigora o conceito de insolvência jurídica ou presumida, derivada de um dos seguintes comportamentos previstos na lei, que são;
- a) impontualidade injustificada (art. 94, I, da LF);
- b) execução frustrada (art. 94, II, da LF);
- c) prática de ato de falência (art. 94, III, da LF).
Presentes uma das hipóteses acima, o devedor poderá falir, ainda que seja solvente sob o aspecto econômico. Em contrapartida, ausentes as hipóteses acima, não há falar-se em falência, ainda que haja a insolvência econômica.
IMPONTUALIDADE INJUSTIFICADA
O inadimplemento de uma obrigação só autoriza o requerimento de falência do devedor, quando se tratar de uma obrigação liquida e certa, no valor superior a 40 salários mínimos, documentada em título executivo judicial ou extrajudicial, devidamente protestado.
Passemos à analise desses requisitos:
- a) obrigação líquida e certa, documentada em título executivo. A obrigação ilíquida, ainda que estampada numa sentença judicial inviabiliza o pedido de falência.
- b) valor superior a 40 salários mínimos. Para atingir este montante, admitem-se as somas de diversas obrigações liquidas de valores inferiores. Em tal situação, os credores, em litisconsórcio ativo, requerem a falência. Mas todos os títulos devem ser protestados e apenas são somados créditos líquidos que podem ser reclamados na falência. Se, porém, o valor não atingir o montante acima, o credor deve buscar o seu crédito em execução individual, descartando a falência. Qualquer que seja o valor do crédito, será possível o requerimento de falência que se basear em atos de falência ou na execução frustrada.
- c) protesto. É o ato que documenta a prova da impontualidade injustificada. Qualquer título executivo, judicial ou extrajudicial, e não apenas os títulos de crédito ou cambiais, pode embasar o pedido de falência com base na impontualidade, desde que devidamente protestado, inclusive, o crédito estampado numa sentença só poderá fundamentar um pedido de falência se esta sentença for protestada.
O protesto, que embasa o pedido de falência, pode ser tirado por falta de pagamento ou então o protesto especial para fins falimentares, tanto faz. O protesto por falta de pagamento só pode ser extraído contra o devedor principal do título, que também poderá sofrer o protesto especial para fins falimentares, ambos os protestos são feitos no tabelionato de protesto. Basta um destes protestos para embasar o pedido de falência.
Quanto aos endossantes e avalistas, não podem ser protestados por falta de pagamento, de modo que, antes de requerer a sua falência, será preciso extrair o protesto especial para fins falimentares. De fato, é necessário que o devedor, cuja falência foi requerida, tenha sido notificado pelo tabelionato de protesto, de modo que nesta notificação exige-se, sob pena de extinção do processo, que conste a identificação da pessoa que recebeu a notificação (súmula 361 do STJ).
A referida súmula não exige a notificação pessoal do devedor, mas apenas a identificação da pessoa que recebeu a notificação, que evidentemente deve ser funcionário do estabelecimento empresarial. É claro que há aqueles que sustentam que o devedor deve ser notificado pessoalmente. A súmula 52 do Tribunal de Justiça de São Paulo dispõe que: “Para a validade do protesto basta a entrega da notificação no estabelecimento do devedor e sua recepção por pessoa identificada”.
Para os títulos cambiais, ainda nas hipóteses em que o protesto é facultativo, este torna-se obrigatório para o fim de requerimento da falência, podendo ser extraído ainda que após o decurso do prazo legal.
Cumpre anotar que o protesto é facultativo quando se tratar do aceitante da letra de câmbio, do emitente do cheque ou nota promissória e do sacado da duplicata.
O protesto é necessário quando se tratar de execução dos outros coobrigados da cambial, como endossantes e avalistas, sendo que a falência, nesse caso, só pode ser requerida se o título foi protestado dentro do prazo legal.
Em suma, qualquer que seja o devedor, para efeito de requerimento de falência com base na impontualidade, o protesto é sempre necessário. Anote-se que o protesto nem sempre é necessário para o requerimento de falência, aliás, só é necessário para o pedido de falência baseado na impontualidade. Se o pedido basear-se nos atos de falência, o protesto é dispensável, dispensando-se também o vencimento do título. O protesto também é dispensável no pedido de falência baseado na execução frustrada.
- d) impontualidade injustificada. Se o título for inexigível, não poderá fundamentar o requerimento de falência, ainda que esteja protestado. O art. 96 da LF fornece alguns exemplos de inexigibilidade: prescrição, falsidade, nulidade, pagamento, etc.
EXECUÇÃO FRUSTRADA
O devedor executado individualmente que incide na tríplice omissão, isto é, não paga, não deposita e não nomeia bens a penhora, pode ter a sua falência requerida, independentemente do valor do título. Este pode até ser inferior a 40 salários mínimos. Aliás, a superação deste teto só é exigida para pedido de falência baseado na impontualidade.
O exequente, visando instruir o pedido de falência, pode requerer certidão atestando a tríplice omissão. Com base nesta certidão, que não precisa ser protestada (aliás, o título executivo também dispensa o protesto para o fim de falência) ele fundamenta o requerimento de falência. Este requerimento não é feito nos próprios autos da execução. A propósito, alguns juízes só aceitam o pedido de falência baseado na tríplice omissão se houver sido formulado o requerimento de extinção da execução individual, pois não é razoável que o mesmo título executivo sirva de embasamento simultâneo à falência e à execução individual. Fábio Ulhoa Coelho, porém, preconiza apenas pela suspensão da execução individual em razão do superveniente pedido de falência.
ATOS DE FALÊNCIA
O art. 94, III, da LF prevê o rol taxativo de certos comportamentos praticados pelo devedor, que geram uma presunção absoluta de insolvência jurídica. São atos geralmente praticados por quem se encontra em estado de insolvência econômica, e, por isso, a lei os considerou atos de falência. Comprovada a prática de um desses atos, caracteriza-se a insolvência jurídica, autorizando-se o requerimento de falência, independentemente da comprovação da insolvência econômica, podendo a falência ser decretada ainda que haja solvência econômica. O pedido de falência poderá ser formulado por credor de crédito ainda não vencido.
Estes atos de falência são:
- a) Liquidação precipitada ou meio ruinoso. Compreende a liquidação repentina do negócio, caracterizada pela venda dos bens necessários a exploração da atividade empresarial, outrossim, pelo emprego de meios ruinosos ou fraudulentos para a realização de pagamentos, como a obtenção de empréstimos com juros excessivos.
- b) Negócio simulado, isto é, realizado com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores.
- c) Transferência do estabelecimento sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para pagar suas dívidas. É a transferência com o objetivo de fraudar a lei, frustrar a fiscalização ou então prejudicar os credores.
- d) Transferência simulada do principal estabelecimento. É a que visa fraudar a lei ou prejudicar credores. É ato de falência ainda que o devedor seja solvente sob o prisma econômico, distinguindo-se da situação acima, que exige insolvência econômica.
- e) Outorga de garantia real posterior à assunção da dívida, sem ficar com bens suficientes para saldar seu passivo. As garantias reais (penhor, hipoteca e anticrese) privilegiam o credor, pois este tem primazia sobre os quirografários. Desde que a garantia real seja concomitante à assunção da dívida não há falar-se em ato de falência, ainda que o devedor seja insolvente. Igualmente, caracteriza-se como ato de falência o reforço da garantia real.
- f) Abandono do estabelecimento empresarial sem deixar representante legal para gerir os negócios. Uma das obrigações do empresário é permanecer à frente dos negócios, seja pessoalmente ou através de procurador com poderes especiais, sob pena de incidir em ato de falência.
- g) Descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação judicial. Assim, não obstante a obtenção da recuperação judicial, instituto que substituiu a concordata, o inadimplemento, a qualquer tempo, das obrigações assumidas neste plano caracteriza-se como sendo um ato de falência.
SENTENÇA JUDICIAL DE FALÊNCIA
A sentença declaratória da falência encerra a fase pré-falencial do processo de falência. Esta sentença é, pois, o terceiro pressuposto da falência. Antes dela não há falência, mas um mero pedido de falência. As peculiaridades da sentença de falência serão estudadas mais adiante.
RITO PRÉ-FALENCIAL
A fase pré-falencial é a que medeia entre o pedido de falência e a sentença que a decreta. Cumpre então, nesse aspecto, examinar a competência, o juízo unitário, o juízo universal, a legitimidade ativa e o rito pré-falencial.
COMPETÊNCIA
A falência e a recuperação judicial devem ser requeridas na comarca do principal estabelecimento do devedor, junto à Justiça Estadual.
O juízo, isto é, a vara competente é definida pela legislação estadual.
Entende-se por principal estabelecimento aquele onde se concentra o maior volume de negócios da empresa. Trata-se de um conceito econômico. Nada obsta que o principal estabelecimento recaia sobre uma filial, caso o volume de negócios desta supere o da matriz. Atente-se que o principal estabelecimento não é necessariamente aquele que figura como sendo a sede social da empresa, nem aquele que apresenta o maior volume administrativo ou que seja fisicamente o maior.
A falência de empresa que tem sede no exterior será requerida no local da filial situada no Brasil (art.3º da LF).
No tocante à execução coletiva contra devedor insolvente, que não seja empresário, a competência será também da justiça estadual, ainda que haja intervenção da União.
Com efeito, o termo “falência”, contido na parte final do art. 109, I, da Constituição Federal compreende a insolvência civil. Por essa razão, compete à Justiça comum estadual, e não à federal, processar e julgar as ações de insolvência civil ainda que haja interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública federal (RE 678162/AL, Tema 859, 26/03/2021).
JUÍZO UNITÁRIO
O juízo falimentar é unitário no sentido de atrair para si todos os pedidos posteriores de falência ou recuperação judicial. Assim, o juízo para o qual foi distribuído o primeiro pedido de falência ou recuperação judicial torna-se prevento, passando a ter “vis atractiva” sobre os pedidos posteriores, que serão distribuídos por dependência.
Note-se, porém, que o pedido de homologação de plano de recuperação extrajudicial não tem o condão de prevenir a competência para uma futura ação de falência, pois se trata de um procedimento de jurisdição voluntária, salvo quando houver a homologação judicial da recuperação extrajudicial, hipótese em que haverá prevenção.
A propósito, dispõe o § 8º do art. 6º da Lei 11.101/2005, introduzido pela Lei 14.112/2020:
“A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial ou a homologação de recuperação extrajudicial previne a jurisdição para qualquer outro pedido de falência, de recuperação judicial ou de homologação de recuperação extrajudicial relativo ao mesmo devedor.
JUÍZO UNIVERSAL
O juízo falimentar é universal e indivisível, isto é, atrai para si todas as ações movidas em face da massa falida. Estas são distribuídas por dependência. Assim, por exemplo, uma eventual ação de indenização por acidente de veículo, em que a massa falida figura como ré, deve ser proposta no juízo falimentar. Caso a ação já esteja em andamento, o processo é deslocado para o juízo falimentar.
Abrem-se, no entanto, as seguintes exceções ao juízo universal, a saber:
- a) Ações que versam sobre quantia ilíquida, iniciadas antes da sentença de falência. Estas ações não são atraídas para o juízo falimentar (art. 6º, §1º da LF).
- c) Ações trabalhistas. A definição da existência do crédito trabalhista é da competência da Justiça do Trabalho, conforme art. 114 da CF. Todavia, uma vez apurada a existência do crédito, a cobrança deve ser feita no juízo falimentar, mediante habilitação do credor trabalhista.
- d) Ações em que a União é parte. As ações em que a União figura como parte, seja na qualidade de autora, ré ou terceiro interveniente, são da competência da Justiça Federal. Não são atraídas para o juízo falimentar. Exemplo: ação de indenização movida pela União em face da massa falida, por acidente de veículos.
- e) Ações de execuções individuais com leilão já designado. Em regra, todas as execuções contra a massa falida, são suspensas quando se decreta a falência, salvo a execução fiscal, isto é, movida pela Fazenda Pública, e a execução ajuizada por credor particular, cuja leilão já estava designado antes da sentença de falência. Nesse caso, devido ao adiantado estado do processo, concretiza-se o leilão, mas o valor apurado é enviado ao juízo falimentar, não se destinando, portanto, ao exequente. Se, no entanto, o leilão realizar-se antes da sentença de falência, daí sim o valor apurado pertencerá ao exequente, remetendo-se o eventual saldo para o juízo falimentar, mas se o valor for insuficiente, o exequente pode ainda habilitar-se no juízo falimentar para receber a diferença.
- f) Embargos de Execução, que tramitam no juízo da execução fiscal, onde se discute a existência, a exigibilidade e o valor do crédito público (art. 7º-A, §4º, II, da LF). Assim, a execução fiscal, que é a movida pela Fazenda Pública com base em certidão de dívida ativa, é suspensa pela sentença de falência, nos termos do art. 7º-A, §4º, V, da LF, mas os embargos à execução, onde se discute a existência, a exigibilidade e o valor do crédito público, não serão suspensos. Igualmente, a execução fiscal, caso tenha sido interposta a exceção de pré-executividade, para se discutir a existência, a exigibilidade e o valor do crédito público, terá prosseguimento, mas apenas em relação ao julgamento da referida exceção de pré-executividade, cessando qualquer ato de constrição do patrimônio do devedor.
Quanto às ações em que a massa falida figura como autora ou litisconsorte ativa, não são propostas no juízo falimentar. Assim, quando, por exemplo, a massa falida mover alguma ação de indenização, o foro competente é o normal, isto é, o domicílio do devedor ou outro eventualmente previsto na lei. Entretanto, nas ações disciplinadas especificamente na lei 11.101/2005, como a ação revocatória movida pela massa falida, o juízo falimentar será o competente.
LEGITIMIDADE ATIVA
Sobre a legitimidade ativa para requerer a falência, a lei atribui ao próprio devedor, aos sócios e ao credor.
É vedada a falência de ofício pelo juiz, salvo quando houver requerimento de recuperação judicial que não atende os requisitos legais, outrossim, quando o devedor, após obter a recuperação judicial, deixa de cumpri-la.
Saliente-se ainda que o Ministério Público, diante da falta de previsão legal, não tem legitimidade para requerer a falência.
Passemos a análise dos legitimados ativos, a saber:
- a) autofalência: é quando o próprio devedor insolvente requer a sua falência, em razão de não atender aos requisitos para a recuperação judicial. Embora seja uma recomendação da lei dirigida ao devedor, a sua omissão em requerer a autofalência é destituída de qualquer sanção. Na hipótese de morte do empresário individual, a autofalência pode ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, por qualquer herdeiro e ainda pelo inventariante.
- b) sócio ou acionista da sociedade devedora. O sócio pode requerer a falência da sociedade devedora com o intuito de liquidá-la. Mas se a maioria é favorável à falência, a hipótese transmuda-se para a autofalência requerida pela própria sociedade.
Na hipótese de sociedade anônima compete privativamente à assembleia geral autorizar os administradores a confessar falecia e a pedir recuperação judicial, mas, em caso de urgência, a confissão de falência ou o pedido de recuperação judicial poderá ser formulado pelos administradores, com a concordância do acionista controlador, se houver, hipótese em que a assembleia geral será convocada imediatamente para deliberar sobre a matéria. (art. 122, IX e parágrafo único, da Lei 6.404/76, com redação trazida pela Lei 14.195/2021).
- c) credor. A hipótese mais comum é a do requerimento de falência pelo credor. Este, conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho, não é obrigado a tentar primeiramente a execução individual, podendo formular diretamente o pedido de falência. Todavia, alguns juízes indeferem a inicial, salientando que a falência não é ação de cobrança, impondo como requisito à sua propositura o prévio ajuizamento da execução individual seguido da tríplice omissão. O credor que requer a falência deve exibir o seu título. Este, ainda que não vencido, pode embasar pedido de falência, seja com base na impontualidade, seja na tríplice omissão, seja em ato de falência. É claro que o credor de título não vencido deverá fundamentar-se na impontualidade ou tríplice omissão de outro credor, exibindo a prova desta impontualidade ou tríplice omissão referentemente à obrigação do devedor perante este outro credor. Além disso, o credor requerente deve exibir o próprio título.
Qualquer credor, ainda que não seja empresário, pode requerer a falência. Quanto ao credor que for empresário ou sociedade empresária, só pode formular pedido de falência se estiver registrado na Junta Comercial. Sem este registro não pode requerer a falência, embora possa falir.
Se for credor domiciliado fora do Brasil, o pedido de falência precisa estar instruído com a caução atinente às custas processuais e o valor de eventual indenização para hipótese de denegação da falência. Em contrapartida, o credor não empresário, que esteja domiciliado no Brasil, pode requerer a falência sem a necessidade de comprovar outros requisitos. Sendo assim, o médico, quando requer a falência do seu devedor, não precisa provar a sua inscrição no Conselho Regional de Medicina.
Discute-se sobre a legitimidade da Fazenda Pública para requerer a falência. Fábio Comparato, pronuncia-se afirmativamente, porquanto a falência é necessária para apuração de crimes falimentares e propositura de ações revocatórias.
Interessante julgado do STJ, acertadamente negou legitimidade ativa à Fazenda Pública, invocando o princípio da conservação da empresa, nos seguintes termos:
“Legitimar a Fazenda Pública a requerer falência das empresas inviabilizaria a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, não permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores, tampouco dos interesses dos credores, desestimulando a atividade econômico-capitalista. Dessarte, a Fazenda poder requerer a quebra da empresa implica incompatibilidade com a “ratio essendi” da Lei de Falências, mormente o princípio da conservação da empresa, embasador da norma falimentar” (REsp 363.206/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA).
Até o advento da Lei 14.112/2020, a execução fiscal não era suspensa pela decretação da falência, mas, a partir da referida lei, ela também permanecerá suspensa, de tal sorte que a corrente que legitima a Fazenda Pública a requerer a falência ganha um novo reforço.
RITO PRÉ-FALENCIAL
O rito pré-falência varia conforme se trate de falência requerida ou de autofalência.
O Código de Processo Civil é aplicado subsidiariamente ao processo falimentar, desde que não seja incompatível com os princípios da Lei 11.101/2005.
No processo falimentar, bem como no de recuperação judicial ou extrajudicial, porém, todos os prazos são contados em dias corridos, ao contrário do Código de Processo Civil, que prevê a contagem em dias úteis (art.189, §1º, I, da Lei 11.101/2005).
Nos aludidos processos as decisões de primeiro grau são passíveis do recurso de agravo de instrumento, salvo nas hipóteses em que a lei estabelecer outro recurso, ao passo que, no Código de Processo Civil, em regra, as decisões de primeiro grau são irrecorríveis (art.189, §1º, II, da Lei 11.101/2005).
FALÊNCIA REQUERIDA
Na falência requerida por credor ou por sócio, a petição inicial deve conter o pedido de falência, sob pena de inépcia. Ao recebê-la, o juiz determina a citação do devedor para a apresentação da defesa no prazo de 10 dias, a contar da juntada do mandado de citação, pois o art. 189 da lei de falência manda aplicar subsidiariamente o Código de Processo Civil.
Esta citação deve ser feita através do oficial de justiça, pois trata-se de ação sobre de estado. É, pois, vedada a citação pelo correio (art. 247, I, do CPC). Se o devedor estiver em lugar incerto e não sabido, far-se-á a citação por edital, nomeando-se curador especial.
A ação de falência tem rito especial, mas nada obsta seja designada audiência preliminar de conciliação ou mediação, prevista no art. 334 do CPC, pois uma das funções do administrador judicial é estimular, sempre que possível, a conciliação, a mediação e outros métodos alternativos de solução de conflitos relacionados à recuperação judicial e à falência (art.22, I, j). Por consequência, nos termos do art. 3º, §3º, do CPC, a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser também estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
A ação de falência tem preferência na tramitação em qualquer instância (art. 79) e atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual, sem prejuízo do contraditório, da ampla defesa e dos demais princípios previstos no Código de Processo Civil.
Em atenção ao princípio da celeridade, ressalvadas as disposições específicas desta Lei, as publicações ordenadas serão feitas em sítio eletrônico próprio, na internet, dedicado à recuperação judicial e à falência, e as intimações serão realizadas por notificação direta por meio de dispositivos móveis previamente cadastrados e autorizados pelo interessado (art. 191).
Todas as ações em que o falido for autor ou réu prosseguem com o administrador judicial, que é o representante da massa falida, sob pena de nulidade do processo (art. 76, parágrafo único).
Na petição inicial da falência não é exigível a prova da legitimidade passiva do requerido, pois basta a inicial afirmar que o devedor é empresário ou sociedade empresária, ainda que isto seja afirmado implicitamente. Portanto, compete ao devedor o ônus da prova de que não é empresário.
Por outro lado, no prazo de defesa, que é de dez dias, o devedor tem as seguintes opções:
- a) limitar-se apenas a defender-se;
- b) limitar-se a apresentar o depósito elisivo;
- c) defender-se e apresentar o depósito elisivo;
- d) mover a ação de recuperação judicial.
O depósito elisivo corresponde ao valor total da obrigação, acrescido de juros, correção monetária e honorários advocatícios (súmula 29 do STJ). Deve ser feito em dinheiro, mas na prática admite-se também o cheque, desde, é claro, que tenha fundos. Este depósito é previsto quando o pedido de falência for baseado na impontualidade ou na execução frustrada.
Aludido depósito impede a decretação da falência, de modo que, diante deste depósito, o processo de falência transforma-se em ação de cobrança.
Quando este depósito é apresentado sem a defesa, verifica-se o reconhecimento do pedido em relação ao crédito apontado na inicial, afastando-se a decretação da quebra e liberando o depósito em favor do autor da ação (Credor). Diante do depósito, o juiz prolata a sentença de elisão da sentença, que afasta a quebra do devedor.
Mas se o devedor apresenta simultaneamente a defesa e o depósito, este último funciona como uma medida cautelar, cujo escopo é evitar a decretação da quebra na hipótese de a defesa não convencer o magistrado, de modo que o depósito só é liberado em favor do credor se a defesa não for acolhida, pois se esta for acolhida o pedido de falência é julgada improcedente, devendo o depósito ser levantado pelo próprio devedor. Entende-se que, dentro do prazo de dez dias, o réu pode primeiro apresentar a defesa e depois o depósito, sucessivamente, ou vice-versa, sem que haja preclusão consumativa, mas, por cautela, é melhor apresentar a defesa e o depósito simultaneamente.
Discute-se sobre o cabimento do depósito elisivo no pedido de falência baseado nos atos de falência. Fábio Ulhoa Coelho, acertadamente, sustenta que, nessa hipótese, a falência também não pode ser decretada, porquanto, diante deste depósito, o credor – requerente deixa de ser credor, verificando-se, destarte, a falta de interesse de agir. Outra corrente, nega que o depósito elisivo tenha efeito impeditivo da decretação da falência, porque o parágrafo único do artigo 98 da LF, que prevê o depósito elisivo, não faz menção a este depósito quando se tratar de pedido baseado em ato de falência, pois, nesse caso, a razão do pedido de falência não é a falta de pagamento, mas sim a má-fé do devedor.
Convêm ainda salientar que, quando o pedido é fundamentado na impontualidade, esta se descaracteriza, gerando a extinção do processo, na hipótese do requerente pleitear a suspensão do processo. Com efeito, este requerimento de suspensão do processo consiste numa moratória concedida pelo credor, e, por isso, faz desaparecer a impontualidade.
Por outro lado, dentro do prazo de dez dias para ofertar a defesa ou contestação, o devedor poderá mover a ação de recuperação judicial (art. 95 da LF). Nesse caso, o simples ajuizamento da ação de recuperação judicial tem o efeito de suspender o processo de falência.
AUTOFALÊNCIA
No caso de o devedor requerer a autofalência, instaura-se um procedimento de jurisdição voluntária e a lei lista uma série de documentos, que devem instruir a inicial, a saber:
1) demonstrativos contábeis dos últimos três exercícios, levantando-se um demonstrativo específico para o pedido de falência;
2) balanço patrimonial;
3) relação dos credores;
4) inventário dos bens;
5) apresentação dos livros obrigatórios;
6) relação dos administradores e diretores dos últimos 5 anos;
7) registro na Junta Comercial ou na sua falta a indicação e qualificação de todos os sócios, acompanhada da relação dos seus respectivos bens. Portanto, mesmo as sociedades sem registro têm o dever de pedir a autofalência, apresentando a relação dos sócios e o contrato escrito, caso este exista.
Recebida e petição inicial o juiz, após ouvir o Ministério Público, de duas uma: decreta a falência ou manda aditar a inicial, mas exaurido o prazo para a emenda da inicial, a falência é decretada, com ou sem esta emenda, ainda que o devedor não tenha juntado a documentação necessária. O devedor ainda tem a opção de desistir do pedido de falência, desde que essa retratação seja feita antes da sentença de falência. Retratando-se tempestivamente, o juiz não decreta a falência, ainda que haja insolvência econômica, mesmo estando presentes os pressupostos da autofalência, isto é, a insolvência econômica e o não atendimento das condições para se obter a recuperação judicial. Esta retratação é a única hipótese em que juiz deixa de decretar a quebra no pedido de autofalência. Todavia, Rubens Requião salienta que os credores podem se opor à autofalência, provando que o devedor tem recursos para pagar seus credores. Segundo este jurista, neste caso, o juiz deve indeferir o pedido de autofalência.
A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA FASE PRÉ-FALENCIAL.
A Lei de Falências não prevê a intervenção do Ministério Público na fase pré-falencial, porquanto ainda não há falência. Ademais, a questão em debate é meramente patrimonial, porque diz respeito ao pagamento de uma dívida. É claro que após a sentença de falência, a intervenção do membro do “parquet” torna-se obrigatória, diante do interesse coletivo da massa dos credores, justificando, pois, a sua atuação como fiscal da lei.
Todavia, na fase pré-falencial, o promotor de justiça, na prática, acaba atuando, manifestando-se após a defesa ou decurso do prazo para a manifestação da defesa. Justifica-se esta intervenção diante da perspectiva da decretação da falência, inteirando-se, desde logo, da situação patrimonial do devedor, visando assim preservar os interesses sociais.