CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Com a revolução industrial, iniciou-se a produção em escala, surgindo então a sociedade de massa e a figura do consumidor vulnerável, entretanto, foi após a Segunda Grande Guerra Mundial, com a expansão do mercado de consumo, que começou a desencadear a consciência sobre a necessidade de uma legislação consumerista.
Em 1962, John Kennedy, presidente dos EUA, elaborou um famoso discurso no Congresso Americano proclamando a necessidade de leis protetivas ao consumidor.
Em 1985, a Assembleia Geral da ONU baixou a Resolução 39/248, definindo os princípios de proteção ao consumidor.
No Brasil, o art. 48 do ADCT da Constituição de 1988 ordenou que o Congresso Nacional, elaborasse, dentro de 120 dias da promulgação da Constituição, o Código de Defesa do Consumidor.
Este prazo não foi respeitado, mas no dia de 11 de setembro de 1990 foi promulgada a lei 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, verdadeiro monumento jurídico, que revolucionou a aplicação do direito brasileiro, abrangendo as fases pré-contratual, contratual e pós-contratual das relações de consumo.
É um exemplo marcante de dirigismo contratual, que é a intervenção do Estado no conteúdo dos contratos, através de normas cogentes, com o escopo de manter o equilíbrio entre as partes e evitar o abuso do poder econômico, com vistas à preservação da igualdade de fato e da dignidade da pessoa humana.
CÓDIGO EM VEZ DE ESTATUTO
Basicamente, toda pessoa, em suas relações jurídicas, acaba se tornando consumidora. É praticamente impossível passar por esta vida sem realizar um contrato de consumo. Por isso, o art.48 do ADCT/CF, ordenou que o Congresso Nacional dentro de 120 dias da promulgação da Constituição de 1988, elaborasse um Código de Defesa do Consumidor, optando por esta denominação, em vez de Estatuto do Consumidor.
Estatuto é a regulamentação unitária dos interesses de uma categoria de pessoas.
A expressão Código de Defesa do Consumidor é mais apropriada, tendo em vista que todas as pessoas podem se enquadrar no conceito de consumidor. Logo, não se trata de um conjunto de normas que regula apenas o interesse de uma categoria específica de pessoas.
VULNERABILIDADE
A vulnerabilidade, situação de inferioridade de um dos contratantes, fonte de desequilíbrio das relações contratuais, é a razão da existência do Código de Defesa do Consumidor.
A vulnerabilidade expõe o consumidor a práticas lesivas e, diante disso, justifica-se a proteção estatal.
A vulnerabilidade pode ser:
- a) Técnica: é a falta de expertise em relação ao produto ou serviço. O consumidor, por exemplo, raramente tem conhecimento dos componentes químicos de um determinado produto. O fornecedor, por sua vez, detém todo esse conhecimento, desfrutando assim de uma superioridade técnica.
- b) Jurídica: é a falta de conhecimento das normas jurídicas, contábeis e econômicas. Além disso, com frequência, lhe é impingido um contrato de adesão, sem possibilidade de discussão das cláusulas contratuais. O fornecedor, por sua vez, tem o dever de conhecer as normas relacionadas com o exercício de sua atividade. É ele que elabora o contrato. Por consequência, inegável a sua superioridade jurídica.
- c) Fática: é a inferioridade econômica ou psicológica. De fato, via de regra, é flagrante a superioridade econômica do fornecedor, oriunda do poderio econômico ou monopólio do produto ou serviço. A suprema necessidade de contratar faz também surgir a inferioridade psicológica do consumidor.
- d) Informacional: é que decorre da falta das informações que deveriam ser prestadas sobre o produto ou serviço.
Basta, para a incidência do Código de Defesa do Consumidor, a presença de uma dessas vulnerabilidades nos contratos celebrados com o fornecedor.
Quanto à hipossuficiência, não é requisito para incidência do Código de Defesa do Consumidor.
A vulnerabilidade é presumida, quando o consumidor for pessoa física, mas, a meu ver, a presunção é relativa (juris tantum), podendo ser afastada diante da comprovação da expertise em relação ao produto ou serviço adquirido e da ausência das outras modalidades de vulnerabilidade. Entretanto, valiosas opiniões sustentam que a presunção seria absoluta.
No tocante ao consumidor pessoa jurídica, a vulnerabilidade não se presume, devendo ser comprovada no caso concreto, sob pena de se afastar a incidência do CDC. Segundo alguns autores, nem mesmo diante da contratação de um serviço público essencial, como água, luz e gás, se poderia presumir a vulnerabilidade da pessoa jurídica. É, entretanto, nítida a superioridade do fornecedor em relação aos serviços bancários, fornecimento de água, luz, gás, dentre outros, presumindo-se, nesses casos, a vulnerabilidade.
DIFERENÇA ENTRE VULNERABILIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA
O consumidor hipossuficiente, em matéria probatória, é o que apresenta dificuldades para comprovar o fato, geralmente por não dispor de conhecimentos técnicos em relação ao produto ou serviço adquirido, apurando-se essas qualidades segundo as regras ordinárias de experiência. Nada obsta, portanto, que um consumidor rico seja considerado hipossuficiente.
Todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente.
A vulnerabilidade indica a necessidade de se proteger a parte mais fraca da relação de consumo, justificando-se a incidência das normas do CDC.
A hipossuficiência, por sua vez, se caracteriza pela necessidade de uma proteção especial, justificando-se a incidência de determinadas normas que não são aplicadas aos demais consumidores.
A vulnerabilidade é presumida em relação ao consumidor que seja uma pessoa física.
A hipossuficiência não é presumida, devendo ser apurada casuisticamente.
A vulnerabilidade, segundo a doutrina dominante, é a inferioridade na relação de direito material, ao passo que a hipossuficiência é a inferioridade na relação de direito processual. Por consequência, constatada a vulnerabilidade, o efeito é a incidência das normas do CDC. Constatada a hipossuficiência, o efeito é a incidência do benefício processual da inversão do ônus da prova, ou, ainda, quando se tratar de pessoa miserável, o benefício da assistência judiciária gratuita.
A meu ver, a hipossuficiência é a fragilidade que justifica a concessão de benefícios especiais, que podem ter natureza de direito material ou processual. Há, pois, inúmeras normas de direito material, editadas pelo Poder Legislativo ou baixadas pelas Agências Reguladoras, conferindo benefícios especiais aos hipossuficientes, seja em razão da idade, obesidade excessiva, falta de instrução, gravidez, etc. Exemplos: mulheres grávidas têm direito de preferência numa fila. Outro exemplo: vagas reservadas de estacionamentos para idosos e deficientes. Mais um exemplo: assentos especiais para obesos em transportes públicos.
Não se pode, destarte, restringir a hipossuficiência a um conceito puramente processual, embora, no âmbito específico do CDC, o principal benefício ao hipossuficiente seja a inversão do ônus da prova e, diante disso, difundiu-se a hipossuficiência como sendo um conceito de índole meramente processual.
CARACTERÍSTICAS DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
A defesa do consumidor é um dos princípios da ordem econômica (art.170, V, da CF), contribuindo, destarte, para se assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, evitando os abusos que o sistema capitalista, baseado na livre iniciativa do mercado, poderia gerar no mercado de consumo.
O art. 5º, inciso XXXII, da CF dispõe que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, cuja regulamentação operou-se com a Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), tendo por objetivo a proteção da pessoa humana em relação aos interesses produtivos, mediante a edição de normas cogentes, de ordem pública, inafastáveis pela vontade das partes. Tem, pois, previsão constitucional a intervenção do Estado nas relações privadas para a proteção do consumidor.
Assim, as normas do Código de Defesa do Consumidor devem ser aplicadas de ofício pelo magistrado, não se justificando a súmula 381 do STJ, cujo teor é o seguinte:
“Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.”
Esta súmula é incompatível com o art. 1º do CDC que assegura que as normas de proteção ao consumidor são de ordem pública e de interesse social.
As normas de ordem pública costumam ser aplicadas a fatos anteriores à sua vigência. Entretanto, no caso do CDC, a jurisprudência negou a aplicação aos contratos anteriores, optando pela proteção do ato jurídico perfeito, mas no tocante aos contratos de tratos sucessivos, que se prolongam no tempo, prevaleceu a tese da incidência imediata do novo diploma legislativo.
Do exposto se conclui que as normas do CDC têm as seguintes características:
- a) São direitos fundamentais de terceira dimensão, porque versam sobre interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
- b) É um dos princípios da ordem econômica.
- c) São normas cogentes, isto é, de ordem pública.
- d) São normas de interesse social, pois não se limitam a uma proteção de índole individual.
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
Compete à União estabelecer as normas gerais sobre a proteção ao consumidor. Aos Estados e Distrito Federal compete a edição das normas específicas, de forma suplementar. É, por exemplo, válida a lei estadual que disciplina a chamada “promoção relâmpago”.
Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender as suas peculiaridades, mas a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, V e VIII, e §§ 1º, 2º e 3º da CF).
O Presidente da República também pode editar decretos e regulamentos para fiel execução das leis, inclusive das leis sobre a proteção ao consumidor (art.84, IV, da CF). Exemplo: Decreto nº 2.181/97, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Outro exemplo: Decreto nº 6.523/2008, sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC, por telefone.
Quanto às leis municipais, não podem versar sobre direito do consumidor. É, por exemplo, inconstitucional eventual lei municipal que proíbe bares e restaurantes de cobrarem a taxa de consumo mínimo. Entretanto, desde que seja preponderante o interesse local acerca da matéria, admite-se a lei municipal, com base no art. 30, I, da CF. Exemplo: lei municipal que versa sobre melhor atendimento aos consumidores nos supermercados e hipermercados (RE 818.550-STF).
MICROSSISTEMA JURÍDICO. DIÁLOGO DAS FONTES
O Código de Defesa do Consumidor é um microssistema jurídico, porquanto contém normas civis, administrativas, penais e processuais.
Nada obsta, porém, a aplicação simultânea de mais de uma lei, no mesmo caso concreto. Exemplo: CDC e Código Civil. É o que se chama de diálogo das fontes. O STF, por exemplo, reconheceu a aplicação do CDC nas atividades bancárias sem, no entanto, excluir a incidência simultânea das leis que regem o sistema financeiro.
O diálogo das fontes visa conciliar as normas jurídicas oriundas de diplomas legislativos distintos, aplicando-as simultaneamente, distinguindo-se das antinomias, cujo objetivo é afastar a incidência de uma norma para que outra discipline com exclusividade o caso concreto.
CONSUMIDOR
CLASSIFICAÇÃO
O consumidor classifica-se em:
- a) Consumidor standard ou em sentido estrito;
- b) Consumidor por equiparação.
CONSUMIDOR STANDARD OU EM SENTIDO ESTRITO
Conceito
Dispõe o art. 2º do CDC:
“Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Os elementos da relação jurídica de consumo são:
- a) As partes (elemento subjetivo): consumidor e fornecedor.
- b) O objeto (elemento material ou objetivo): é o produto ou serviço.
- c) O finalístico ou teleológico: o consumidor deve ser o destinatário final do produto ou serviço. Este elemento não é exigido nas hipóteses de consumidor por equiparação.
Teorias
Em sentido estrito, o consumidor deve ser o destinatário final do produto ou serviço
Sobre o assunto desenvolveram-se três teorias. São elas:
- a) teoria finalista;
- b) teoria maximalista;
- c) teoria finalista mitigada ou aprofundada.
Teoria finalista ou Minimalista ou restrita ou finalista ou subjetiva
De acordo com esta teoria, o consumidor deve ser simultaneamente o destinatário final fático e econômico do produto ou serviço.
O destinatário final fático é o último adquirente do produto ou serviço que, portanto, não tem a intenção de revendê-lo, mas, sim, retirá-lo do mercado e simplesmente utilizá-lo.
O destinatário final econômico é o que adquire o produto ou serviço para uso particular próprio ou da família.
Caso o produto ou serviço seja adquirido para uso profissional, não se aplica o CDC, pois ele acaba sendo reinserido no mercado no formato de um novo produto ou serviço, ou então embutido no preço de outros produtos ou serviços. Por consequência, a aquisição para uso profissional torna o adquirente um mero intermediário, e não o destinatário final. Exemplo: a fábrica que adquire cola e couro para produzir sapatos acaba reinserindo esses produtos no mercado no formato de sapato. Outro exemplo: a pessoa jurídica que adquire materiais de limpeza ou serviços telefônicos, acaba reintroduzindo o produto e o serviço no mercado, à medida que, em razão disso, aumenta-se o preço. Nesses dois exemplos, consoante a teoria em estudo, os referidos contratos seriam regidos pelo Código Civil, pois, ainda que de forma indireta, eles são reintroduzidos no mercado econômico.
Referida teoria praticamente inviabiliza que a pessoa jurídica seja considerada consumidora, contrariando o disposto no art. 2º do CDC que expressamente a elenca como tal.
Teoria Maximalista ou objetiva ou ampliativa
Consumidor, para a teoria em análise, é o destinatário final fático do produto ou serviço.
O fundamento é que o escopo do CDC é proteger o mercado de consumo e não apenas o consumidor não profissional.
Assim, reputa-se consumidor qualquer pessoa física ou jurídica que seja destinatário final fático do produto ou serviço, isto é, que o retira do mercado para o fim de utilizá-lo e consumi-lo, pouco importando se o uso se destina a fins pessoais ou profissionais.
Só não se aplica o CDC quando a aquisição é para fim de comercializar o produto ou serviço. Assim, nos dois exemplos acima, o CDC seria aplicado. Portanto, o empresário que adquire insumos de outro empresário para fabricar os seus produtos seria protegido pela legislação consumerista, pois não há a intenção de vender isoladamente os insumos adquiridos, mas sim os novos produtos confeccionados.
Referida corrente amplia demasiadamente o conceito de consumidor, desconsiderando o seu principal objetivo, que é proteger o vulnerável, estendendo o benefício a quem não ostenta esse estigma.
Teoria Finalista aprofundada ou temperada
Esta teoria, adotada no STJ, que também é chamada de minimalista aprofundada, em princípio, adota as ideias da primeira teoria, considerando como sendo consumidor apenas aquele que figura simultaneamente como o destinatário final fático e econômico do produto ou serviço, mas permite que, em situações específicas, seja também considerado consumidor qualquer pessoa física ou jurídica que, no caso concreto, se mostre vulnerável na relação contratual, independentemente de se tratar de uma relação de consumo.
Assim, por exemplo, o dono de um bar que adquire bebidas de uma distribuidora, pode ser considerado consumidor, na hipótese de, no caso concreto, ficar demonstrada a sua vulnerabilidade. Note-se que ele não é sequer o destinatário final fático, muito menos econômico, posto que as bebidas são adquiridas para o fim de revenda.
Mais um exemplo: o agricultor compra sementes de uma multinacional para plantio e posterior comercialização do produto plantado. Ele não figura como destinatário final fático nem econômico, entretanto, desde que caracterizada a vulnerabilidade, impõe-se a incidência do CDC.
Os fundamentos desta teoria, que se encontra registrada no Resp 476.428/STJ, são os arts. 4º e 29 do CDC. Com efeito, o art. 4º prevê a possibilidade do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo e o art. 29, por sua vez, equipara a consumidor toda pessoa exposta à prática abusiva. Por consequência, em caráter excepcional, ainda que ausente a genuína relação de consumo, é possível se aplicar o CDC, inclusive, nos contratos entre empresários.
Trata-se, conforme já dito, de um abrandamento da teoria subjetiva. É, pois, a teoria mais justa.
Vejamos alguns exemplos:
- a) A pessoa jurídica, que celebra contrato de financiamento bancário para investir o dinheiro em sua empresa, para a teoria minimalista, ela não é consumidora; para a maximalista se lhe aplica o CDC. Para a teoria finalista temperada ela será consumidora, pois qualquer pessoa que contrata com banco se torna vulnerável.
- b) A fábrica que adquire cola para a fabricação de sapatos. Como o produto é utilizado como insumo da produção, a teoria minimalista afasta a incidência do CDC, pois o bem, cola, retorna transformado, em forma de sapato, para o mercado de consumo, logo não se trata de destinatário final econômico. Já os maximalistas aplicam o CDC, pois o que importa é a destinação final fática, isto é, a retirada do bem para o consumo. A teoria finalista temperada, em princípio, também rejeita a aplicação do CDC, salvo mediante comprovação da vulnerabilidade.
- c) O produtor agrícola que compra adubo para o preparo do plantio e a pessoa jurídica que adquire veículo da concessionária para utilizá-lo na empresa, nesses exemplos, a teoria finalista exclui a incidência do CDC, a teoria maximalista aplica o CDC e a teoria finalista temperada, em princípio, exclui o CDC, salvo mediante comprovação da vulnerabilidade.
O CDC é, pois, aplicado ao vulnerável (art. 4º, I). Somente ele necessita de fato da proteção do Estado, por se encontrar em situação de desigualdade com o fornecedor.
A pessoa física ou jurídica que aplica o produto em sua atividade econômica, mas fora da sua área de expertise, geralmente revela-se vulnerável, beneficiando-se do CDC. Todavia, quando realiza o negócio em sua área de especialidade, via de regra, não é vulnerável, excluindo-se a incidência do CDC, mas em situações específicas, como no exemplo do taxista que compra o carro zero KM para empregá-lo em sua profissão, a vulnerabilidade pode restar demonstrada no caso concreto, justificando-se a aplicação do CDC.
CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO
Com efeito, o parágrafo único do citado art. 2º prevê o chamado consumidor por equiparação, nos seguintes termos: “Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.
São três as hipóteses legais de consumidor por equiparação.
São elas:
- a) A coletividade de pessoas que tenha participado de alguma forma, da relação de consumo (parágrafo único do art.2º). Exemplo: um grupo de mil pessoas se reuniram para comprar material de construção.
- b) Todas as vítimas do evento (art.17), ainda que não tenham participado da relação de consumo. Esta hipótese é tão somente para os acidentes de consumo, que geram a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço (arts. 12 ao 14). Este terceiro (pessoa física ou jurídica), que é equiparado ao consumidor, por ser vítima, é chamado de bystander. Exemplo: as vítimas da explosão em um Shopping Center.
- c) Todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais e contratuais lesivas do CDC (art.29). Exemplos: as vítimas de propaganda enganosa; de cobrança indevida etc.
FORNECEDOR
Conceito
Dispõe o art.3º do CDC:
“Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
Numa linguagem sintética, fornecedor é aquele que exerce uma atividade relacionada com bens ou serviços.
Atividade exige habitualidade, mas dispensa o registro nos órgãos competentes. Quem pratica, por exemplo, de forma esporádica, um ou outro ato de venda, não é fornecedor, mas quem o faz habitualmente, como é o caso do vendedor ambulante, enquadra-se no referido conceito.
Note-se que o art. 3º não exige que se trate de uma atividade econômica ou lucrativa, de modo que as associações e fundações, sem fins lucrativos, inclusive, as ONG’s, também são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, nas hipóteses em que cobrarem pelos serviços prestados.
Assim, fornecedor é quem “desenvolve atividade”, exigi-lhe a habitualidade, o profissionalismo, excluindo da legislação consumerista os contratos celebrados entre consumidores ou entre o consumidor e o comerciante que age fora da sua atividade-fim.
Uma agência de viagem, por exemplo, quando vende seu veículo age fora de sua atividade-fim, e, por isso, não é fornecedora.
O contrato entre empresários, em princípio, também é excluído do CDC, pois as partes se encontram em pé de igualdade, inexistindo a figura do “vulnerável”, mas, em casos específicos, desde que caraterizada a vulnerabilidade, é possível, nos moldes da teoria finalista aprofundada, a aplicação do CDC.
ESPÉCIES DE FORNECEDORES
O vocábulo fornecedor é o gênero, que abrange as seguintes espécies: produtor, montador, criador, fabricante, construtor, transformador, importador, exportador, distribuidor, comerciante e prestador de serviços.
Trata-se de um rol meramente exemplificativo.
O fornecedor, que em todas as suas modalidades, deve exercer uma atividade, pode ser:
- Pessoa física. Exemplo: empresário individual, registrado ou não na Junta Comercial. Outro exemplo: vendedor ambulante. Mais um exemplo: profissionais liberais.
- Pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, nacional ou estrangeira. Exemplos: as pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Município). Outros exemplos: autarquias, empresas públicas, sociedade de economia mista e os concessionários de serviços públicos.
- Entes despersonalizados: são aqueles destituídos de personalidade jurídica, mas que são titulares de alguns direitos e deveres. Exemplos: espólio, pessoa jurídica sem registro, massa falida, herança jacente, condomínio e a família. Referidos entes, evidentemente, só serão fornecedores apenas nas hipóteses em que desenvolverem alguma atividade. Desde já cumpre ressaltar que o condomínio não é considerado fornecedor em suas relações com o condômino, quando, por exemplo, cobra taxa condominial, pois, a rigor, não há o exercício de qualquer atividade.
Anote-se que o conceito de fornecedor é mais amplo que o de empresário, à medida que abrange atividades, com ou sem fins lucrativos, inclusive, os serviços de natureza intelectual, artísticos, científicos e literários.
É claro que o empresário também é fornecedor, mas o conceito de fornecedor abrange também outras situações.
OBJETO (ELEMENTO MATERIAL OU OBJETIVO)
O objeto da relação de consumo é o produto ou serviço.
PRODUTO
Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial (§1º do art. 3º).
O termo é amplo, abrangendo os bens móveis (exemplos: carros, motos, sofás etc.), os bens imóveis (exemplos: apartamentos, terrenos, etc.), os bens materiais, isto é, corpóreos, de existência física, e os bens imateriais, incorpóreos, isto é, os direitos (exemplo: programas de computador).
Quanto aos produtos distribuídos gratuitamente, como é o caso dos brindes e das amostras grátis, sujeitam-se à aplicação do CDC, de modo que fornecedor será responsável pelos vícios aparentes e redibitórios, incidindo também os prazos e garantias. A rigor, existe uma remuneração indireta, pois o propósito é a fidelização do consumidor, mas, independentemente, submetem-se ao CDC, à medida que o §2º do art. 3º só exige a remuneração em relação aos serviços, silenciando sobre os produtos.
SERVIÇO
Serviço, por sua vez, é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (§2º do art.3º).
Excluem-se expressamente:
- a) os serviços gratuitos. São regidos pelo direito civil.
- b) as relações trabalhistas. São regidas pela CLT.
Quanto aos serviços gratuitos, só são excluídos os inteiramente ou puramente gratuitos.
Impõe-se a incidência do CDC em relação aos serviços aparentemente gratuitos, que são aqueles remunerados de forma indireta.
São, pois, exemplos de serviços aparentemente gratuitos, sujeitando-se ao CDC:
- a) Transporte coletivo para maiores de 65 anos. Há uma remuneração por parte da coletividade de usuários, que, de uma certa forma, submetem-se a uma tarifa maior para que a gratuidade seja levada a efeito.
- b) Estacionamentos gratuitos em supermercados, shopping centers e outros estabelecimentos. O objetivo é atrair o consumidor ao estabelecimento, sendo inegável o caráter indireto da remuneração. Dessa forma, consoante súmula 130 do STJ, a empresa responde, perante o cliente, pela reparação do dano ou furto de veículo ocorrido em seu estacionamento, ainda que o consumidor nada tenha consumido.
- c) Associação que presta serviços médicos gratuitos a seus associados. É evidente a remuneração indireta, à medida que a associação é mantida pelo dinheiro captado dos próprios associados.
- d) Empresa de captação e fornecimento de sangue doado. Com efeito, embora o doador não receba nenhuma remuneração e o sangue não possa ser comercializado, o certo é que há uma remuneração indireta, pois, a infraestrutura é mantida pelo preço embutido noutros serviços.
SERVIÇOS PÚBLICOS
O serviço público só é regido pelo CDC quando for remunerado, de forma direta e voluntária, pelo consumidor. De fato, o CDC cuida apenas dos serviços remunerados (§2º do art.3º). Exemplos: água, luz, telefone, metrô, etc. Referidos serviços são chamados de impróprios ou uti singuli e são remunerados por tarifas ou preços públicos. Vale lembrar que a tarifa é uma remuneração facultativa.
Já os serviços públicos próprios ou uti universi, remunerados por impostos ou taxas, cujo pagamento é obrigatório, independente, portanto, da vontade do contribuinte, submete-se aos ditames do direito administrativo e do direito tributário. Assim, o serviço de iluminação pública ou saúde pública não são regidos pelo CDC.
O art.22 do CDC consagra o princípio da continuidade dos serviços públicos essenciais. Uma primeira corrente, invocando esse dispositivo legal e a ele juntando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, sustenta que, mesmo diante do inadimplemento do consumidor, o serviço público essencial não pode ser cortado ou suspenso, sobretudo quando o indivíduo for miserável. Prevalece, no entanto, o entendimento que permite o corte do serviço público, após o aviso prévio ao consumidor inadimplente, diante da expressa previsão do art.6º, §3º, II, da lei nº 8.987/95, que regula a concessão e permissão dos serviços públicos.
Esta última orientação foi reforçada pela Lei 14.015/2020, que incluiu no inciso XVI no art. 5º, XVI, da Lei 13.460/2017, que estabelece, sob pena de multa à concessionária, a obrigatoriedade da comunicação prévia ao consumidor de que o serviço será desligado em virtude de inadimplemento, bem como do dia a partir do qual será realizado o desligamento, necessariamente durante horário comercial.
Ainda que haja a comunicação prévia, será vedada a suspensão da prestação de serviço em virtude de inadimplemento por parte do usuário que se inicie na sexta-feira, no sábado ou no domingo, bem como em feriado ou no dia anterior a feriado (art. 6º, parágrafo único, da Lei 13.460/2017).
Se o consumidor for pessoa jurídica de direito público, ainda assim prevalece a tese do corte da energia elétrica, ou de outro serviço público essencial, em razão do inadimplemento, mas de forma temperada, porquanto deve ser mantida a prestação do serviço nas unidades públicas provedoras das necessidades inadiáveis da comunidade, entendidas essas por analogia à Lei de Greve, como aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, como é o caso das delegacias de polícia, hospitais, prontos-socorros, etc. Outro tempero imposto pela jurisprudência é a necessidade de inadimplemento atual, não se justificando o corte por débitos passados.
Por outro lado, o STJ tem permitido, com relação ao serviço de consumo de água, a cobrança mensal de tarifa mínima, malgrado a vedação do art.39, I do CDC, que proíbe o fornecedor de condicionar o fornecimento de produtos ou serviços a limites quantitativos. A propósito, dispõe a súmula 356 do STJ: “É legítima a cobrança da tarifa básica pelo uso dos serviços de telefonia fixa”.
O argumento é que o art. 39, I, do CDC admite, mediante justa causa, a imposição de limites quantitativos, e, no caso, a justa causa consiste no gasto com a infraestrutura para a disponibilização do serviço.
Igualmente, tem sido admitida a cobrança de tarifa progressiva ou escalonada de água, fixada de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo (súmula 407 do STJ).
INCIDÊNCIA DO CDC
São, pois, considerados fornecedores, dentre outros, submetendo-se ao Código de Defesa do Consumidor, os seguintes entes:
- a) Os bancos. Com efeito, dispõe a súmula 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.” Esta é também a posição do STF. A súmula 285 do STJ estabeleceu ainda que: “Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do Consumidor incide a multa moratória nele prevista”.
- b) Entidade complementar de previdência privada aberta e seus participantes, mas não se aplica aos contratos celebrados com entidades previdenciárias fechadas (súmula 563 do STJ). As entidades abertas são as que admitem que qualquer pessoa contrate os seus serviços, ao passo que as entidades fechadas são restritas a pessoas que integram uma determinada categoria. Como decorrência da incidência do CDC, foi editada a súmula 291 do STJ: “A ação de cobrança de parcelas de complementação de aposentadoria pela previdência privada prescreve em cinco anos”.
- c) Canal de televisão e seu público.
- d) Mutuante do contrato de mútuo do Sistema Financeiro de Habitação para aquisição de imóvel.
- e) Empresa de Correios e Telégrafos.
- f) Serviços prestados por profissionais liberais. São regidos pelo CDC, embora excluídos da responsabilidade objetiva, por força do art. 14, §4º, do CDC.
- g) Plano de saúde. Sobre o assunto, reza a súmula 469 do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Esta súmula, entretanto, foi cancelada pela súmula 608 do STJ, cuja redação é a seguinte: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”. Estes planos de saúde de autogestão, regulados pela lei 9.656/98, não tem conotação comercial, pois são planos próprios das empresas, sindicatos ou associações, que administram estes programas de assistência médica, sem qualquer fim lucrativo e, por isso, não faz sentido lhe imputar a responsabilidade objetiva do art. 14 do CDC. Este plano de saúde de autogestão só pode beneficiar as pessoas referidas na Resolução Normativa 137/2006 da Agência Nacional de Saúde – ANS. Trata-se assim de uma entidade fechada.
NÃO INCIDÊNCIA DO CDC
Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos seguintes casos:
- a) Serviço público de saúde sem remuneração. Exemplo: SUS.
- b) Pagamento de tributos (impostos, taxas e contribuições de melhoria). Mas, conforme já dito, há relação de consumo no pagamento de tarifas ou preço público, pois há manifestação de vontade do particular em adquirir o serviço.
- c) Crédito educativo (Lei nº 8.436/1992). Não é serviço bancário, mas programa de governo custeado pela União, figurando a Caixa Econômica Federal como preposta. Logo, não se aplica CDC.
- d) Relações entre condomínio e condôminos quanto às despesas de manutenção do imóvel. Mas há relação de consumo entre o condomínio e as empresas que lhe prestam serviço (exemplo: serviço de água, luz, esgoto etc.).
- e) Nas relações entre locador e o locatário, salvo quando intermediados através de administradora (imobiliárias). Já se admitiu que o Ministério Público é parte legítima para questionar as cláusulas contratuais de contratos celebrados através de imobiliária, figurando esta como ré na ação que versa sobre relação de consumo.
- f) Relação entre o INSS e os segurados. É regida pelas leis 8.212/90 e 8.213/90.
- g) Prestação de serviços de educação gratuita na rede pública.
- h) Relação entre franqueador e franqueado. É regido pelo direito empresarial. Creio não seja possível a aplicação da teoria subjetiva aprofundada, que detecta a vulnerabilidade no caso concreto, pois a lei 13.966/2019, que rege o contrato de franquia, impõe uma série de obrigações ao franqueador e, dessa forma, acaba descartando a possibilidade de o franqueado ser encarado como vulnerável.
- i) Entidades fechadas de previdência complementar. O CDC é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo, porém, nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas (súmula 563 do STJ).
- j) Negócios entre particulares que não exercem atividade. Ainda que um deles seja vulnerável, será aplicado o direito civil.
Nessas e em outras hipóteses de exclusão do CDC, é vedado ao PROCON fiscalizar a atividade ou expedir notificações. Por consequência, não tem cabimento, por exemplo, o PROCON querer fiscalizar o tempo de duração de uma repartição do INSS.
HIPÓTESES POLÊMICAS
- a) Serviços notariais prestados pelos tabelionatos e cartórios de registros. Uma primeira corrente, dominante no STJ, sustenta que não deve ser aplicado o CDC, pois os emolumentos cobrados têm natureza de tributo, outrossim, pelo fato de haver lei específica sobre o assunto. Outra assevera que o CDC deve ser aplicado, pois o serviço é remunerado e o adquirente figura como destinatário final, sendo que, conforme a teoria do diálogo das fontes, nada obsta a incidência simultânea de leis oriundas de diplomas legislativos distintos.
- b) A OAB defende que não se trata de uma relação de consumo e argumenta, para afastar a incidência do CDC, que a atividade é regida pelo Estatuto da OAB e respectivo Código de Ética. Entretanto, o CDC é aplicado aos profissionais liberais, não tendo sido aberta qualquer exceção aos serviços de advocacia, ademais, nos termos da teoria do diálogo das fontes a existência de uma lei específica não afasta a incidência do CDC. O STJ pacificou o entendimento que a relação jurídica firmada entre advogado e cliente não caracteriza relação de consumo, sendo, portanto, inaplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor. Na verdade, trata-se de contrato regido pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, baseado na relação de confiança entre o cliente e seu advogado, de modo que deve ser validada a cláusula de eleição do foro para resolução das demandas relativas ao contrato.
- c) Associação religiosa. Uma corrente sustenta que se trata de serviço gratuito e, diante disso, exclui-se a incidência do CDC. Outra, ao revés, visualiza que há uma remuneração, consubstanciada no dízimo, figurando o fiel como vulnerável, diante de pressões psicológicas para levá-lo ao pagamento do dízimo e outras ofertas, sujeitando-se assim ao CDC.
- d) Serviços prestados por Cooperativas. Não há relação de consumo, porquanto o próprio cooperado participa das decisões da cooperativa, mas o tema não é pacífico. Tratando-se, porém, de empreendimentos habitacionais, o CDC é aplicável. Com efeito, dispõe a súmula 602 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas”.